Dificilmente temos acesso à intimidade da vida de um artista. O universo de sua criação não é necessariamente aquele que se exibe nas galerias e nos espaços de arte, meios de sua comercialização. Por vezes, o pintor produz a obra que não será necessariamente aquela que precisa vender para o seu sustento. Assim, ele cria trabalhos para si mesmo – ou para os íntimos – valendo-se de um heterônimo, ou seja, de uma identidade que possa colocar, no lugar do mito, o espaço íntimo do verdadeiro. Para um destes heterônimos, Glauco escolheu Egon Walter ( o outro eu ). A outro denominou Antonio Magalhães, nomes que situam-se no meio do seu próprio de batismo: Glauco Antônio Magalhães Pinto de Moraes. Pouco importa os nomes. São os trabalhos secretos do artista que sabem dizer o significado de fases de sua vida que não podia em determinado instante, tanto por seu desejo quanto pelo inoportuno, ser confessado, mas que, passados os anos, os anos que amainam as verdades, deve ser dito, exibido, quando não escancarado, porque já não pertence a uma convenção social, não mais se submete a qualquer crítica convencional, já não é refém do mero período de um presente, mas habita a memória maior da eternidade. Entre 1980 e 1990, ano da morte de Glauco, o artista mergulhou nesta experiência intimista cujos resultados pela primeira vez aqui são revelados. São imagens muito distanciadas de sua obra reconhecidamente hiper-realista, locomotivas a vapor e peças destas, como engates e pistões, formas pelas quais ficou eternizado no memorial das mais finas artes plásticas do Brasil. No segredo de seu ateliê, confessando sua doença, seguida do convalescimento, urgiu, por igual, outras obras além da arte, como estatutos de sociedades afeitas ao mester da pintura, revelando parte de uma vida que dedicou também ao compromisso político de servir à criação de instituições em seu tempo. A mostra que aqui apresentamos é um apanhado genérico destes tempos de um ateliê genuinamente pessoal e indevassável, restrito ao convívio de sua mulher e brava companheira Ignes que ora nos oferta estas preciosidades que podemos exibir, em primeira mão, no principal museu de arte do Estado de sua origem.

 

Paulo César B. do Amaral
Diretor MARGS
Curador da mostra