Antonio Soriano foi um artista iluminado. Sempre fiel à expressão figurativa, nunca chegou a ser um acadêmico. Antes que isso pudesse acontecer, teve a graça de haver cruzado por Ado Malagoli, seu principal mestre e do qual é frequentemente apontado como sucessor. Justo elogio.

Aprendeu a lição modernista à qual se manteve fiel até o fim da carreira, em julho deste ano, quando faleceu prematuramente de um câncer.

Encontrou, como poucos artistas, um público fiel e pronto a disputar suas obras fartamente espalhadas pelas galerias de Porto Alegre. Embora tenha sido premiado em importantes certames nacionais, não percorreu o tão ambicionado caminho das mostras institucionais, optando pelo mercado da arte do qual foi localmente o principal ator de comprovado sucesso nas últimas duas décadas. Viveu exclusivamente de sua obra, como raros artistas conseguem.

 Pintou repetidamente a exuberante paisagem do imaginário da campanha, e aí quase sempre a mesma cena: o campo no primeiro plano, as montanhas esfumadas ao fundo, e no centro da imagem uma pequena casinha perdida, esplendorosamente iluminada a ponto de saltar em volume aos olhos do mais desatento espectador.

Tudo isso permeado pelo melhor tratamento técnico e por inconfundíveis veladuras que conferia aos seus quadros de cunho regionalista. Esta a mágica de sua arte: o figurativo e o maravilhoso efeito luminoso por cores ora marcantes, ora diáfanas, repetindo na tela a generosidade do mistério da Natureza.

Este motivo foi o seu prato de resistência, por assim dizer. Mais apuradamente, em menos aparições, Soriano abordou com rara maestria a natureza-morta em quadros de alto valor estético, e, em menor escala, também a cena urbana, em geral para exposições pontuais sobre o tema.

Artista inquieto, já nos últimos anos – e para o desespero de algumas galerias -, passou a considerar a figura humana deformada, de um ponto de vista expressionista, fase que não encontrou uma resposta de mercado favorável e que talvez sido o único momento em que, por um exercício livre de seu ofício, naquele instante sublime em que o artista transgride conceitos usualmente aclamados para produzir o que realmente sua alma grita, quase “traiu” um garantido séquito de admiradores.

Porém, ainda aí, manteve-se à fidelidade figurativa produzindo trabalhos que, por sua franca pureza, quiçá fruto de suas origens (era um santo-angelense), assim logrou melhor fazer.

O encantamento que suscita de imediato a obra de Soriano é um fato cada vez mais raro no atual âmbito das artes onde predomina e triunfa o conceito do contemporâneo. E não só na arte, mas também na agitada vida cotidiana das redes sociais que aos poucos vem suprimindo o indispensável exercício humano da contemplação. Eis aqui um tema que inspira “austeros estudos”, para usar as palavras de Baudelaire em seu poema “A Beleza”.

Trata-se, na verdade, de um corajoso o artista que hoje, a exemplo de Soriano, insiste na lição indispensável do desenho e do manejo das cores, prendendo-se à expressão figurativa e executando uma obra quase lúdica que faz lembrar as primeiras manifestações nesta área, tão logo se ponha à disposição de uma criança a folha de papel e um estojo com lápis de cores; ela desenhará o campo, as montanhas, as árvores e uma casinha, quase sempre ingenuamente centrada sobre o suporte.

E sobre o céu azul colocará o sol poente, sem saber, em homenagem à sinfonia da paisagem.

Simples e terno assim, como em Antonio Soriano.

É sobre este saudoso ocaso que escrevemos.

 

Paulo C. Amaral
Artista plástico, curador independente,
Diretor Geral do MARGS ADO MALAGOLI
Primavera de 2016