Ao primeiro olhar, deparo com um conjunto de obras feitas em tempos diferentes. Elas estão no ateliê da artista, que as reuniu numa mostra sucinta para o encontro a partir do qual devo produzir um texto crítico. E passaria isso meramente por mais um exercício de observação, se não gritasse ali uma síntese madura da obra de Cristina Kaschny, tanto pelos temas que a artista elegeu, quanto pelas técnicas que aplicou, passo a passo, não em busca de uma lógica pictórica, mas da revelação de um espírito livre e instigante, capaz de, pelo silêncio das cores, falar ele mesmo. Ali estão, de fato, tempos diferentes de uma produção, daí a mudança de técnicas aplicadas sobre isolados grupos de pinturas. E são tempos diversos de uma vida. E a vida marca em Cristina os seus registros, sulcando em sua pintura uma forma única de expressão. Nada pode a artista esconder. Desejaria começar assim para afirmar que a artista está focada no interior de si própria, de onde brota, passo a passo, uma evolução fundada na coerência – cada coisa a seu tempo -, a forma com que expõe sua obra, muito antes para si do que para o espectador. É Cristina quem diz ser a expressão o contrário da impressão, mas por onde escapar a esta dualidade que é mesma a gênese de toda a sua criação, quando a alma da artista expondo-se igualmente numa e noutra termina por confessar-se ? E aí, adentrando a análise técnica, outra vez não podemos fugir ao mesmo argumento. Tudo se funde numa obra impressionista-expressionista. O trabalho de Cristina Kaschny tem o dom do encantamento à primeira vista, entrega-se pela forma, seduz pelas cores, e, mais que tudo, por um impulso mágico, somente próprio à artista em suas revelações, para ela muitas vezes inconscientes. São quadros de alta qualidade e resolução pictóricas. Quando isso ocorre ao olhar do espectador – aquele que não domina o que vê, mas que é tomado pelo que vê -, a técnica passa a fazer somente parte coadjuvante de um conjunto maior. Ela quase não importará, mas tampouco é este o caso aqui. Destaco daquela pequena exposição no ateliê da artista três obras, que considero enigmáticas para definir as intermitências de sua produção. Uma primeira, de cunho construtivista, intitulada “Limites”, de 2007, alcança veladuras dignas de artista de longa trajetória, frutos de pesquisa acurada, de erros, de novas tentativas e de novos erros até se alcançar o acerto. Revela subjacentes sob massas de tinta as linhas duvidosas, quase imperceptíveis, que lhe propõem o próprio título. Trata-se de uma transição em seu trabalho. De 2006, “Explosão”, um políptico de largas dimensões, esmeradamente pintado, já trazia estas veladuras, porém demarcava por linhas as mesmas fronteiras, talvez por formar um conjunto de quatro quadros separados – mas todos em um só. A terceira tela, “Vênus”, pintada em 2009, em que predominam texturas veementes, literalmente saltando do suporte, figura como uma fusão das anteriores, no que enxergo claramente a rápida evolução da artista no domínio das técnicas empregadas, e a flagrante revelação de um novo momento em sua obra. São impressões que me tomam e me conduzem o olhar, o que unicamente me interessa num quadro. Cristina percorre o caminho que ela mesma abre à sua maneira, abstrai o seu redor e mergulha com volúpia em sua obra interna. Sua arte apenas fala pelos pincéis, pelas tintas e por todos os instrumentos que são apenas a extensão de seu mais recôndito pensamento.    

 

 

Paulo C. Amaral
Artista plástico e curador
Primavera de MMIX